sexta-feira, 23 de março de 2012

Relatos de uma Eremita

Há 16 anos que vivo isolada do mundo. Ou como prefiro dizer de forma mais sutil: retirei-me do mundo lá fora pra me refugiar no meu. Sabe,  o "lá fora" nunca me agradou, então criei um lugar só pra mim, como eu queria que fosse. Sentimental, colorido, sem regras ou hierarquias, injustiças ou desamores. Dentro dele eu me inventava, quando achava que não estava bom; reinventava. Fazia a felicidade e acreditava nela. Multiplicava-me e satisfazia-me com tantos personagens. Pode parecer estranho, na verdade é. Talvez a essência da felicidade esteja na excentricidade. Não à toa que rimam.
Não tinha curiosidade de saber como era o mundo lá fora, porém era obrigada a frequentá-lo às vezes. Então eu saía do meu refúgio e encarava toda a hostilidade de um mundo frio. No começo, eu não sabia lidar muito bem. Então descobri maneiras das pessoas não me atingirem. Fechei-me em mim. Conversava com poucas pessoas, tinha pouquíssimos amigos, isso fazia eu me sentir menos só e vazia pra encarar esse cinzento mundo, que era um tanto quanto assombroso. Não que eu confiasse ou gostasse das pessoas. A maioria das vezes elas estavam falando - sem nada a dizer - e eu não conseguia dar-lhes atenção. Tanta mesmice, superfluidade, que serviam-me de sonífero. Eu até gosto de algumas pessoas, mas prefiro os animais. Eles nunca fingem gostar de alguém, dissimulam sentimentos ou mentem pra ser aceitos.
Se as pessoas parassem pra me ouvir, não entenderiam. Não falta compreensão ou empatia. Faltam pessoas que as exercitem. Bem como o amor, ah, o amor. A sociedade tornou o amor tão trivial. Pegaram seu significado, amassaram e jogaram no lixo. Agora todos andam exânimes; sem amor; sem razão; sem paz ou vida. Procurando uma casa ou peito pra chamar de lar. Por isso prefiro viver trancada em mim, esse é meu mundo. Lá fora? Prefiro chamar de Cemitério dos sentimentos. O que é.

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